quinta-feira, 28 de abril de 2016

Gênero frito ao molho sutil

Vai um pedaço?


               O boom da gourmetização traz consigo muito mais do que apenas deliciosas novas formas de olhar para antigos pratos simples e caseiros. A grande moda culinária do século XXI trouxe os homens à cozinha, sem rodeios ou apresentações maiores. Aqueles que outrora negavam determinado espaço da casa, agora o constrói em galpões e chefia outros trabalhadores. São essas coisas que só a modernidade nos proporciona.
              Não é difícil perceber a visibilidade que o chef de cozinha passou a ter nos círculos sociais. Provavelmente aquele primo distante, tímido e quieto, tornou-se agora o grande chef da família: entendedor de aromas e sabores, prepara o almoço especial do dia das mães e é contratado para grandes eventos fora da cidade. À mulher, continua-se destinando a beira do fogão, a falta de técnica, o serviço desgastante da rotina. Mas isso é bobagem, não é mesmo? Feminismo é vitimismo. Não, não é. Nós precisamos olhar mais criticamente para o mundo, questionar suas proposições (e negá-las quando necessário).
              Eu sempre assisto realitys sobre culinária e percebo que raras são as mulheres que se dispõe a participarem de competições do gênero. Elas não existem? Ou será que os homens realmente cozinham melhor do que as mulheres? Ou ainda: será que a gourmetização, claramente de cunho midiático, se recusa a ter como protagonista alguém que foi obrigada a ter seu lugar restrito à cozinha? Me parece que este é o jogo. A cozinha cotidiana, aquela das obrigações e da monotonia, tem pouco valor naquilo que toca ao status social do indivíduo. A casualidade e a dedicação exclusiva à execução de uma tarefa descolada do tédio da vida costumeira, com absoluta certeza logram melhores resultados e, obviamente, ocupam lugar de maior destaque na configuração da sociedade. Esse papel é atribuído ao homem e, justamente por isso, ele é o mestre dos pratos gourmets. Aquele que se ocupa do cozimento de alimentos mirando fins financeiros ou de divertimento tem a capacidade de se sobressair no momento da produção, muito porque sua história como sujeito não o condena a deter o espaço da cozinha como o único em que pode agir. O homem age em todos os espaços porque ele é universal. E a culinária agora também o é. Convergências do acaso?
            Ao longo do processo civilizatório desigual do qual hoje colhemos os frutos, a mulher foi ensinada a cozinha de maneira semelhante a qual foi ensinada a andar, comer, falar. O preparo do alimento deveria ser, entende a sociedade, função orgânica feminina. Não mais do que automatismo. Já para o macho, compreende-se seus esforços por adentrar o mundo culinário como grandes feitos. Por muito tempo, os cozinheiros sofreram com o machismo porque a cozinha era o lugar da mulher, era o ambiente em que se rebaixava, em que se minimizava o outro gênero. A partir do momento em que se percebeu que os homens sempre encarariam a culinária de forma diferente da que a historicidade obrigou as mulheres a encará-la, investiu-se em trazer ao público a supremacia masculina, tirando, mais uma vez, a visibilidade da mulher.
           Ninguém aqui precisa deixar de comer em um restaurante em que o chef é homem, mas precisamos SIM problematizar esse assunto, perceber os espaços em que as mulheres estão sendo sutilmente apagadas.



Pra quem vai sua torcida no MasterChef?